Hoje recebi um
carinho afetuoso, de mais sincero, ainda não experimentei de forma concreta
outro de extrema pureza... O episódio em questão, se deu com meu sobrinho,
Cauã, 1ano e 6 meses e muita coisa para me ensinar. Pela tarde de hoje, quando
eu descansava em meio à corrida que tem sido a minha vida ele veio até mim e de
modo singelo reclinou a cabeça no meio peito, algo breve e diminuto, mas tão
sincero que não se pode explicar o sentimento... E como isso é raro hoje em
dia! É tão raro ter essa integridade, afinal assumimos tantos papéis, funções e
dogmas sociais que às vezes dormimos e acordamos com fantasias que não
representam nossa realidade como sujeitos e isso machuca e entristece.
É um imperativo
da nossa sociedade a anulação do sentimento, e de certo modo, existem
orientações de como falar, sorrir, abraçar. Estamos presos na retina do outro,
e somos vítimas dos preconceitos e dos medos límbicos daqueles que nos vigiam,
mesmo por trás de belos sorrisos. Vivemos uma ditadura da apatia, do fazer em
prol de uma felicidade que é utópica, pois a nossa alegria representa um ideal
ainda controverso, pois o consenso é seguir padrões já legitimados por olhares
e desejos do outro, não há um espaço para o Eu.
O que é
essencial? Para Antoine de
Saint-Exupéry, em seu livro:
O pequeno Príncipe, o essencial seria algo invisível aos olhos, talvez porque os
olhos se sobrepõem aos demais sentidos, ou quem sabe, pela dura realidade de
que a vida para muitos de nós já se banalizou. A beleza que compõe nossos
universos encontra-se bem ajustada a calendários e datas especiais. Somos
regidos pelo tempo que nós mesmos oprimimos e que buscamos de modo controverso.
E perdemos tanto tempo... Tanto tempo explicando as coisas que não se necessita
explicar. Mas hoje tudo pede explicações, relatórios, processos e ofícios e
mais alguns memorandos, a vida pessoal se confunde com o trabalho e quando
percebemos já não sabemos que lugar ocupamos na hora do almoço. Complicamos
mais ainda o humano já complicado... E não percebemos o adoecimento que é
latente!
O carinho do
Cauã, que não durou mais do que alguns segundos, representa aquilo que nós
perdemos com o desenvolvimento e com a aquisição das responsabilidades, o
essencial. Penso que esse é o essencial que não mais enxergamos, não porque não
queremos ver, mas porque já estamos cegos. Fomos lobotomizados e estamos cegos
nos sentimentos, pela necessidade de termos assumirmos armaduras, pois nos
lograram dizendo que deveríamos ser fortes sempre, nos trancafiamos e deixamos
as chaves enferrujarem... Colocamos o essencial num lugar sagrado, e como
fugimos do sagrado e de certo modo o repudiamos, por ser muito simplista para
nós seres complexos, nos perdemos ainda mais em meio a nossa confusa natureza.
Depois que me reclinou sua cabeça,
o Cauã caminhou para a sala... Nada disse, porque ainda não fala, nem tampouco
olhou para trás para avaliar minha expressão facial. Ele simplesmente andou do
seu jeito novo de andar e foi apreendendo o mundo... Eu sei que um dia, ele irá
perder um pouco dessa essencialidade, pois o rito dos homens é extorquir nossa
essência verdadeira infantil, para nos programar e assim novos simulacros
existirem. Porém, enquanto ele não se contamina, aprendo com ele esses detalhes
que um dia também possui, e dessa forma breve e diminuta posso experimentar
novas perspectivas - um sonhar acordado quem sabe, em meio ao pesadelo real da
vida adulta e chata que vivemos.