quinta-feira, 24 de maio de 2012

Essencialidades



Hoje recebi um carinho afetuoso, de mais sincero, ainda não experimentei de forma concreta outro de extrema pureza... O episódio em questão, se deu com meu sobrinho, Cauã, 1ano e 6 meses e muita coisa para me ensinar. Pela tarde de hoje, quando eu descansava em meio à corrida que tem sido a minha vida ele veio até mim e de modo singelo reclinou a cabeça no meio peito, algo breve e diminuto, mas tão sincero que não se pode explicar o sentimento... E como isso é raro hoje em dia! É tão raro ter essa integridade, afinal assumimos tantos papéis, funções e dogmas sociais que às vezes dormimos e acordamos com fantasias que não representam nossa realidade como sujeitos e isso machuca e entristece.

É um imperativo da nossa sociedade a anulação do sentimento, e de certo modo, existem orientações de como falar, sorrir, abraçar. Estamos presos na retina do outro, e somos vítimas dos preconceitos e dos medos límbicos daqueles que nos vigiam, mesmo por trás de belos sorrisos. Vivemos uma ditadura da apatia, do fazer em prol de uma felicidade que é utópica, pois a nossa alegria representa um ideal ainda controverso, pois o consenso é seguir padrões já legitimados por olhares e desejos do outro, não há um espaço para o Eu.

O que é essencial? Para Antoine de Saint-Exupéry, em seu livro: O pequeno Príncipe, o essencial seria algo invisível aos olhos, talvez porque os olhos se sobrepõem aos demais sentidos, ou quem sabe, pela dura realidade de que a vida para muitos de nós já se banalizou. A beleza que compõe nossos universos encontra-se bem ajustada a calendários e datas especiais. Somos regidos pelo tempo que nós mesmos oprimimos e que buscamos de modo controverso. E perdemos tanto tempo... Tanto tempo explicando as coisas que não se necessita explicar. Mas hoje tudo pede explicações, relatórios, processos e ofícios e mais alguns memorandos, a vida pessoal se confunde com o trabalho e quando percebemos já não sabemos que lugar ocupamos na hora do almoço. Complicamos mais ainda o humano já complicado... E não percebemos o adoecimento que é latente!

O carinho do Cauã, que não durou mais do que alguns segundos, representa aquilo que nós perdemos com o desenvolvimento e com a aquisição das responsabilidades, o essencial. Penso que esse é o essencial que não mais enxergamos, não porque não queremos ver, mas porque já estamos cegos. Fomos lobotomizados e estamos cegos nos sentimentos, pela necessidade de termos assumirmos armaduras, pois nos lograram dizendo que deveríamos ser fortes sempre, nos trancafiamos e deixamos as chaves enferrujarem... Colocamos o essencial num lugar sagrado, e como fugimos do sagrado e de certo modo o repudiamos, por ser muito simplista para nós seres complexos, nos perdemos ainda mais em meio a nossa confusa natureza.

Depois que me reclinou sua cabeça, o Cauã caminhou para a sala... Nada disse, porque ainda não fala, nem tampouco olhou para trás para avaliar minha expressão facial. Ele simplesmente andou do seu jeito novo de andar e foi apreendendo o mundo... Eu sei que um dia, ele irá perder um pouco dessa essencialidade, pois o rito dos homens é extorquir nossa essência verdadeira infantil, para nos programar e assim novos simulacros existirem. Porém, enquanto ele não se contamina, aprendo com ele esses detalhes que um dia também possui, e dessa forma breve e diminuta posso experimentar novas perspectivas - um sonhar acordado quem sabe, em meio ao pesadelo real da vida adulta e chata que vivemos.




domingo, 6 de maio de 2012

Felicidade Parasitária




Comumente ouvimos desabafos de pessoas acerca da tal famigerada infelicidade. Hoje tão comum e corriqueira, que já há quem veja a felicidade como uma utopia – algo pueril que encontra significado apenas no terreno do passado. Imaginar a felicidade em tal perspectiva é preocupante, pois nos coloca em uma situação cômoda de consternação, que para nada serve.
Lembro que alguns dias atrás, em conversa com professores, um deles se viu preocupado com a questão de algumas gravações realizadas em sala, que muitas vezes têm por objetivo prejudicar o professor. Quando na possibilidade de se editar o material a bel-prazer do discente. E ele comentou sobre um argumento que costuma utilizar regularmente, onde explica que a durante a gestação a criança nada mais é que um parasita, lógico que pela questão de ser um corpo estranho e por ser hóspede em outro organismo. Claro, isso é no âmbito biológico que serve como explicação didática, nada mais – porém, é compreensível o susto ou pavor de uma gestante ao se deparar com tal verbalização, pela simbologia que é coerente com o momento vivido. É uma questão de contexto, e acredito que compreender a felicidade pede a mesma lógica.
Pela fatalidade da modernidade que concebe a infelicidade como sendo um dos sintomas da nossa recorrente crise existencial coletiva, compramos a idéia! Mas e se considerarmos que essa felicidade fugaz como sendo algo artificial? Acredito que a felicidade hoje discutida tem natureza abreviada pelo simples fato de não estar em nós, todavia que comumente observamos uma felicidade cultivada além eu, como que em um padrão parasitário. Hoje nos acostumamos a sonhar os sonhos dos outros e como inquilinos, esquecemos que certos relacionamentos, não duraram mais que uma boa temporada.

 Ao consideramos a felicidade como resultante de um esforço individual e introspectivo, poderíamos de fato, encontrar uma felicidade real, não perfeita, pois a perfeição nada mais é que a própria felicidade utópica... Algo que foi criado como um subterfúgio no campo dos relacionamentos. E tal tarefa é complicada, pela própria dinâmica parasitária, não percebemos o hospedeiro, só podemos desconfiar de sua existência quando na análise de sintomas e comportamentos, logo, cabe a você se questionar a natureza do seu relacionamento, se real ou parasitária, nunca se sabe. O que é certo é que tudo aquilo que cultivamos no terreno dos outros jamais será nosso por direito.