terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Quando os navios têm de retornar.


“(...) Somos dois navios que perseguem rumo e objetivo próprios; podemos, sem dúvida, nos cruzar e celebrar festas entre nós, como já fizemos -- então, os bons navios repousavam, lado a lado, no mesmo porto, sob o mesmo sol, tão calmos que pareciam ter atingido o objetivo e tido o mesmo destino. Mas, depois, o apelo irresistível de nossa missão nos levava, de novo, para longe um do outro, para mares, em direção a paragens, sob sóis diferentes -- talvez para nunca mais nos revermos, talvez para nos revermos ainda uma vez, sem nos reconhecermos: mares e sóis diferentes nos teriam transformado (...)” [NIETZSCHE -- "Amizade de Astros" In: A Gaia Ciência]



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E quando os tais navios aportam novamente? Navios que após longas viagens retornam, porque na vida sempre há a [necessidade] de retorno. Como ocorreria esse (re) encontro em alto mar? Acredito que os navios carcomidos pela ferrugem têm seu lugar de estar, mas não de ser, pois o ser se dá em todo espaço e momento.  Um porto para segurança - lugar de águas mansas para se chamar de lar. E nessas ferrugens tão próprias reside a identidade de nós mesmos – como marcas que nos serve de referência, como bandeiras que denunciam nossa origem

Seguimos por rotas que desconhecemos. Somos os navios que aportam e que partem. Somos a semente da saudade que deixamos e o fruto da mesma saudade que em nós devora – é impossível não ter ou deixar saudade. Porque destes muitos portos que outrora atracamos sempre cabe no porão de nós mesmos, as marcas, os sons e as imagens de cada lugar, de cada pessoa. Como bons navios sabemos que nossa natureza seria regida pelo desbravamento das águas, não importando ser mar ou rio – cortaremos de leve a superfície e seremos por entrega contínua, porque  no mar da vida, para se navegar é necessária a entrega...

Hoje sou navio que tem a prerrogativa de volta – cabe a mim o imperativo de um retorno. Reside nos porões e em minha estrutura a necessidade de voltar às águas que outrora deixei. E nessa dinâmica de volta e de deixar saudade, terei de compreender que sempre deixaremos marcas e também seremos marcados. Com o tempo o rastro nas águas sumirá e pelo avanço do trajeto nem perceberemos, mas as marcas que em nós ficam – essas são para a vida toda. E caberão reparos no casco para podermos cumprir as muitas viagens que ainda haverão de ocorrer, pois navio parado de nada serve a não ser cada vez mais enferrujar!

Cabe aos "bons" navios a compreensão da hora de partir. É necessária a sabedoria para aceitar que a permanência no mar é constante – no rio pouco estaremos, afinal com o passar do tempo adquirimos a necessidade de águas profundas. Pelo o amadurecimento, pelos intentos e por tudo que cabe no aço dos sonhos.

A maior dor é perceber que alguns portos poderão nunca mais ser vistos... É duro aceitar que algumas pessoas já não mais existirão quando num fortuito retorno – elas obedecem ao ciclo das águas! É provável que nunca mais fitemos certos olhos, aqueles que antes nos fitaram quando na navegação de chegar. Aprendi assim, que a saudade dói mais quando no retorno, pois quando se desvenda o mar da distância se compreende a dura verdade:

Quando retornamos se navega na dor de partir pra nunca mais voltar...


TEXTO: Rockson Pessoa
IMAGEM: http://www.abril.com.br/noticia/diversao/no_299595.shtml

12 comentários:

Jaque Gonchoroski disse...

Que texto maravilhoso...
Você soube definir muito bem a saudade, as experiências, as pessoas que conhecemos...
Infelizmente não conseguimos levar ou reencontrar todos que passaram por nossa vida. E muitos deles se vão sem que tenhamos a oportunidade de reencontro.

Mas sempre ficam guardadas lá no fundo, pra revermos sempre que quisermos :)

Beijo!

Eraldo Paulino disse...

Bom, meu caro.. início de ano é bem propício pra tais reflexões. Eu bem acho que aquilo que é jamais será da mesma forma nunca. E nós, seres humanos, nem sempre aprendemos a lidar com isso.Excelente citação. Amo esse alemão "anticristo". Excelente texto também.

Abraços!

Ana SSK disse...

Navegar é preciso...
retornar também.
Dolorido, mas tb necessário.

Carolinne disse...

Lindo o texto :D


Adorei seu blog'

Rockson Pessoa disse...

Oi Jaque,

O tal baú das lembranças...
Bjoo

Oi Amigo Paulino,

A mudança constante - é isso que nos constitui!
Um abraço amigo.

Oi Ana,

Dolorosa dolorida dor...
Bjkss minha amiga

Oi Carolinne,

Prazer tê-la aqui. Volte sempre!
Bjss

João Araújo disse...

texto ótimo. gostei muitissimo do blog. Ja estou seguindo

Anônimo disse...

Meu querido companheiro de profissão!
Seu texto exprime a vida nua e crua. Costumo dizer que são as lágrimas que esculpem lindas e novas formas em nosso rosto. O mesmo navio pode de fato não voltar, mas se voce observar bem, com os olhos do coração verá que um novo navio estará sempre a caminho.

Seguinte tem espaço desde já.
Abraços

Juliana Matos. disse...

Somos assim meu amigo
navios que navegam em busca de momentos, e as vezes é preciso retornar, pq a tempestade é forte e tenta nos atingir, mais enfim essa é a vida! Mais é preciso que os olhos e o coração estejam preparados para essas viagens! Sempre!
Um abraço da Ju

Cleice Souza disse...

:)

Anônimo disse...

Olá, meu outro blog 'A menina que sacudia palavras' foi hackeado, então fiz esse outro, estou te seguindo, espero que me sigas também.

beijos


www.madonnaturnnercardoso.blogspot.com

Luna Sanchez disse...

"Coisa que gosto é poder partir sem ter planos,
Melhor ainda é poder voltar quando quero..."


Gostei demais do teu texto, moço!

Um beijo.

Rockson Pessoa disse...

Oi Luna,

Beijocas... E linda música essa!