domingo, 20 de dezembro de 2009

O louco, o cachorro e a rua


Havia uma certa rua... A rua dos esquecidos, que se localiza na avenidade do desapego, na cidade dos infortúnios. Bom, nessa rua deserta e inóspita, dois personagens completavam o cenário. O louco e o cachorro. Apesar de diferentes tinham algo em comum - o abandono. O cachorro era coberto de pulgas, já tinha poucos dentes na boca e tinha um olhar triste e deprimente. O louco por sua vez, tinha um semblante bem diferente... Usava um chapéu de plástico na cabeça e um manto com cara de décadas... Ele falava em uma língua diferente, um dialeto talvez?! Não sei, mas o cachorro entendia. Talvez fosse a linguagem da miséria, própria daqueles que sabem o que é sentir a dor vazia da fome.

Nessa rua sem nome, não havia o som dos carros, eles haviam esquecido literalmente tal rua, afinal quem se importa com ruas desertas? Nem os traficantes com cara de "bonzinhos" se aventuravam em enviar aviões para tal lugar, afinal para que avião se não existe aeroporto?!

Esqueci de falar... Nessa noite fazia um frio desconfortável, e em dado momento, o cachorro e o tal louco se ajeitaram para dormir... O lençol com cara de décadas, encontrava uma utilidade naquele instante. E assim ambos adormeceram. Sem culpa, sem dor e nem ao menos certeza de acordar ou não amanhã!? Bom, isso nem o cachorro ou o louco sabiam - suas vidas estavam escritas em algum livro, mas o livro dos indigentes das grandes cidades... E assim em mais uma noite eles foram engolidos pelo silêncio dos esquecidos...

Aquela cena jamais saiu da minha mente... Me questionei qual era o meu papel naquele triste roteiro. Testemunha do esquecimento ou cúmplice do descaso?! Até hoje me recordo do morador de rua e de seu cachorro... Isso mesmo, do morador de rua e do cachorro. Pois com o tempo aprendi que o louco da história na verdade era eu... Ao me conformar com o silêncio dos esquecidos e por aceitar a fome dos abandonados. Os mesmos abandonados que hoje sobrevivem nas muitas ruas dos esquecidos. Que se encontram nas nossas cidades, mas que são apenas o pano de fundo de nossa pseudo "normalidade" cotidiana.

Nenhum comentário: