quinta-feira, 24 de junho de 2010

UM OÁSIS EM MEIO AO DESERTO - Trabalho realizado no Centro Psiquiátrico Eduardo Ribeiro (My tops)




Lembro do primeiro atendimento realizado no grupo de familiares do CPER, na qual eu e mais algumas pessoas participamos conjuntamente. Lembro-me da sala com aparência tão residual quanto uma esquizofrenia que embota a alma. Recordo-me dos primeiros rostos que fitei e em todos eles se via marcas de uma vida de sofrimento e de luta. A fala de todos aqueles familiares parecia buscar devotar aquele sofrimento que ambos sentiam. Como se quisessem mensurar uma dor – como se buscassem dizer que a dor de cada um sentia era maior ou mais significante do que do outrem.

Então estava configurado o cenário. Uma sala de triste e de mórbida aparência, e pessoas tão tristes e pálidas como a tal sala. Nós os facilitadores do grupo estavam assim no papel de contribuir de alguma forma e conjuntamente com tais indivíduos. Um trabalho deverás difícil, porém não impossível.

Em dado momento na sala, uma fala ressoa de maneira atordoadora “Ah eu já nem me lembro da minha data de nascimento”. Bom, essa fala causou uma revolução em minha mente e ali pude constatar não somente o que os olhos viam, agora podia escutar o próprio som da anulação, o som da perda de identidade. O forte som que diz de certa maneira: “passo a viver pelo meu familiar que é doente e esqueço de mim mesmo”, ou seja, a partir do surgimento da doença, se observava assim que toda a família se mobiliza junto com esse processo de adoecimento. Quando busco uma forma de ilustrar esse grupo, a imagem que me vem é de um deserto. Onde tudo é difícil e complicado.

Um deserto onde os dias são longos, e você se vê debaixo de um sol escaldante, procurando uma vaga para uma avaliação psiquiatra, onde você se vê ali com um familiar, que precisa ser vigiado, pois teme que este faça mal a alguém ou que até mesmo faça mal a si mesmo. Um deserto em que você não consegue parar nem para pensar em si, pois o tempo é curto para tantas e tantas inspeções médicas e o único maná que desce do céu é um auxílio saúde e quem sabe uma aposentadoria.

Dado deserto onde as noites são mais aterradoras , onde o frio é tanto que dói a alma. Onde a noite é deverás traiçoeira e nela surgem vozes que mandam alguém machucar ou até mesmo “esquartejar” o outro. Onde o sono não é tão saboroso, na verdade é um sono de bombeiro de emergência, pois a qualquer momento você se vê na emergência de alguma situação.

Então assim é esse deserto. E eu e outros colegas estávamos nesse deserto também, pois ao ouvirmos as histórias, os depoimentos, os relatos emocionados. Sentimos o sofrimento de cada participante, mas somos continentes e estamos ali para de alguma forma construir algo em comum ajuda com estes participantes. Sendo assim entendemos que há uma troca – um fazer junto.

Quando estamos no deserto, o que buscamos tanto na fantasia, quanto na realidade é encontrar um oásis. Um lugar que nos proporcione água, um descanso e um incentivo para prosseguir no tal deserto da vida.

O grupo de familiares é assim o oásis. Que se permite construir na medida em que as pessoas passam a gostar de freqüentar o grupo, no passo onde a escuta do outro, permite ao sujeito ver que cada um tem uma dor, um desafio, mas que ninguém sofre mais que outro. Um oásis onde cada um tem um tempo de se ver no reflexo dessas águas e que com isso possa se notar como um “SER”, não apenas um cuidador, mas sim, indivíduo dotado de singularidades. Um oásis onde podemos descansar dos infortúnios da vida. Mas um lugar acima de tudo em que possamos criar, onde possamos nos articular e assim buscar melhorias para nossos familiares.

A sala não vai mudar de aparência e nem tampouco aquele velho ar-condicionado irá parar de roncar de maneira alucinante, mas acredito que as pessoas possam mudar à medida que acreditam que a vida não é somente sofrimento. A idéia de oásis é a idéia de em meio aos muitos desertos existem lugares para se descansar, mas em nenhum momento o deserto deixará de existir. Assim como na clínica, alguém senta ao divã para descansar e verbalizar aquilo que incomoda. No grupo familiar, a mesma coisa acontece, e cadeiras se tornam mais que divãs.

Com isso entendemos esse oásis como um lugar, onde a dor pode ser abarcada por nós profissionais. Um lugar em que os fantasmas não causam tanto medo, nem aos familiares nem tampouco aos profissionais – uma pausa para que se possa trilhar o caminho com uma nova perspectiva.

11 comentários:

Natália Bittar disse...

Tbm gostei muito do seu blog!
e estou te seguindo tbm.

PARABENS!

Aline d'Able Maximo disse...

Rockson conheço bem essa sensação que descreveu aqui no texto, assim como você, trabalho em cima da dor e das doenças da vida, só que a morte na minha profissão, é sempre mais constante.
A hora mais difícil é a hora que você tem que lidar com a família, com seus sonhos, expectavivas e dores. Pois você sabe que em muitos casos, por mais que você faça, você não pode ofertar mais nada aquela pessoa que ele tanto ama e se preocupa. E isso ainda parte o meu coração todas às vezes.
Muitas vezes naquela loucura do entre e sai de profissionais (sou intensivista e trabalho dentro de um cti) e até de pacientes mesmo, você acaba atendendo ao leito 10, fazendo aquilo no leito 7, dando alta ao leito 9, e no meio disso tudo, por um momento você até esquece que aquele paciente seu é a vovó de alguém, o filho, o pai, a irmã, o tio... porque muitas das vezes o trabalho tem que ser rápido e mecânico. Mas a gente não pode se esquecer é que as famílias depositam em você e em toda a equipe a garantia, a confiança e as esperanças do fim daquela dor, daquela angústia que o cti sempre representou.

Estefani disse...

Olá moço!

Vim agradecer a visita. ^^

Sinta-se à vontade e seja bem vindo ao meu lar! =)

Beijo, beijo!

Juliana Farina disse...

interessante ler isso exatamente hoje, nesse momento. Tenho um parente que está "teoricamente" adoecido e é gritante essa questão de todos se envolverem. Fico abismada como as pessoas se envolvem de tal maneira a ponto de se adoecerem juntos. Isso não deveria ser assim e me pergunto o tempo todo porque isso acontece.

Obrigada pela visita.
Volte quantas vezes quiser.

Márcia Morales disse...

Olá,
vc passou no meu blog, fez um comentário e eu vim aqui te ver.
Não acreditei quando li seu texto. Tenho uma mãe com Alzheimer e que precisei colocá-la numa clínica, talvez porque não fui capaz de soportar ver uma mãe tão inteligente ficar daquela maneira.
Gostaria de ter a facilidade que vc tem de escrever e fazer um texto lindo e triste sobre o que sinto.
Mas sempre fui uma pessoa que não absorve sofrimento, fujo de tudo que é triste. Pode ver que meu blog é mais gozação. Só escrevo quando estou alegre.
Parabéns e continue. Obrigada por me ajudar mesmo sem saber o quanto.
Bjs

Márcia Morales disse...

www.pamamar.blogspot.com
Não sei porque não saiu meu blog.
Bjs

Helena Rodrigues disse...

O sofrimento pode não acabar, mas ter com quem dividi-lo, sempre ameniza.

Beijo!

Nanci Cerqueira disse...

Muito bom teu texto, sentir bem através das tuas letras o que sentes, não deve ser fácil.

... “um lugar, onde a dor pode ser abarcada por nós profissionais”...

Parabéns!!! Acho interessante este conhecimento da pratica, o real de muitos!

Estou te seguindo, gosto de aprender!

Bjs na tua alma

Guí disse...

É sempre muito bom ter com quem dividir a bagagem e principalmente saber que ha outros viajantes...

La Vita `e Troppo Strana disse...

Ola.
Gostei bastante do seu texto e espero que vcs falem para as pessoas que reunem-se com vcs, exatamente da maneira que vc nos passou aqui, pq acredito que seja isso que elas precisam ouvir.

E por acaso ou nao, porque dizem que nao ha acasos na vida, aquele texto que vc leu no meu blog fala de uma ponto que voces poderao abordar nas reunioes. Vou fazer uma traduçao livre do texto para vc:

"Um jovem, ja quase no fim de suas esperanças, ajoelha-se e diz à Deus:
Senhor, nao posso continuar mais.. tenho uma cruz muito pesada para carregar.

E o Senhor lhe disse:

Nao ha problema algum. Coloque sua cruz naquela sala e va ate aquela outra sala e pegue qqr outra q vc desejar.

O rapaz, aliviado, agradeceu ao Senhor e fez o que Ele mandou.

Assim que o rapaz entrou na sala, deparou-se com varias cruzes; umas tao altas e largas que nao
conseguia sequer ver seu topo.

Entao, o rapaz resolveu pegar uma pequena e fina cruz que estava encostada na parede.

Eu gosto desta, ele sussurrou ao Senhor.

No que o Senhor lhe respondeu:

Meu filho, esta é a cruz que vc acabou de trazer para cá.

Quando os problemas da vida parecerem demasiados, as vezes ajuda olhar à nossa volta e ver os problemas que os outros estao convivendo. Voce poderá considerar-se muito mais afortunado do que voce poderia imaginar...."

O versinho so tem sentido em ingles mesmo, or causa da rima.

Acredito que vc ja tenha escutado essa estoria, mas tive muito prazer em escreve-la aqui.

Abraços e vamos nos falando.
Hetie

Rockson Pessoa disse...

Natália Bittar,

Muito obrigado e bjkss!

Oi Aline,

compreendo isso que você bem descreve, são outros contextos e cada profissional auxilia de maneira singular! Bjkss

Oi Estefani,

Agradeço a sua visita também e estarei retribuindo! BJkss

Olá Ponyo,

Agradeço a visita e quanto o adoecer... Isso acontece e trabalhamos para a diminuição disso!

Oi Márcia,

O que você fez,foi o que poderia ser feito... E você fez o melhor para sua mãe = )! Um beijão e abraço

Oi Helena,

Você disse tudo!! Bjaumm

Oi Hetie,

Farei isso sim e com prazer! Bjkss